Noite de domingo. Estava regulando a câmera para devolvê-la ao topo do tripé, instalado em uma iluminada rua do Centro de São Paulo. Olho para trás e a menos de três metros de distância vejo aquele homem: roupas muito gastas - calça de oncinha, camisa de veludo, jaqueta encardida - dispostos em camadas, à la Falcão; olhos protegidos por um estranho óculos no estilo homem-mosca; um notável mau cheiro (por certo um morador de rua sem muitas oportunidades para o banho). Ele parecia em transe enquanto olhava para o próprio reflexo no vidro espelhado de um carro estacionado, transe este interrompido pelo meu chamado.
Vida & Imagens: Ei, vem cá.
[Ele levantou os óculos e lentamente se aproximou de mim. Parou na minha frente, o mau cheiro ainda mais forte; só então notei que seus óculos eram, na verdade, um pedaço de lanterna de carro.]
V&I: Posso fotografar você?
[O homem nada falou, mas autorizou a foto com um gesto de cabeça e postou-se à minha frente.]
V&I: Qual é o seu nome?
Ele: Luiz Carlos de Oliveira, aventurado na galática, fazendo o Sol de Terra.
V&I: Luiz Carlos, posso entrevistar você?
[Desta vez, o gesto foi de negação. Luiz Carlos virou-se e saiu andando devagar, até sumir em meio à multidão.]
Horas depois, ao transcrever as raras palavras de Luiz Carlos, a dúvida: "fazendo o Sol de Terra" comporta vários sentidos. Acabei concluindo que, na frase, "Terra" é o planeta, e não a matéria, o barro. Pura filosofia, ainda que vinda de alguém com evidente perturbação mental.